A repressão aos abusos de poder econômico no Brasil
entra em uma nova fase a partir desta terça-feira (29), quando passa a
vigorar a lei 12.529, que reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (SBDC) e amplia o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade).
Sancionada em dezembro do ano passado pela presidente Dilma
Rousseff, a lei traz como principal novidade a aplicação do sistema de
análise prévia de aquisições e fusões de empresas pelo Cade. Pelas
regras anteriores, o órgão era informado sobre acordos e negócios depois
que eles eram firmados.
A mudança foi bem recebida por advogados e especialistas que atuam
no setor. A análise prévia, já adotada na maioria dos países, traz mais
segurança jurídica às empresas e evita que decisões do Cade sejam
discutidas na Justiça, como acontece com a Fusão
entre Nestlé e Garoto. Em 2004, o conselho vetou o negócio, anunciado
dois anos antes, sob o argumento de que prejudicava a concorrência no
mercado doméstico de chocolates. Desde então, a Nestlé vem recorrendo à
Justiça contra a decisão.
Dúvidas
Apesar dos avanços, a lei ainda traz dúvidas sobre a atuação do
Cade a partir de agora. A maior delas é sobre o prazo para que o
conselho faça a análise das fusões, já que é só após seu parecer que os
negócios poderão efetivamente ser concretizados.
O projeto encaminhado pelo Congresso estabelecia prazo máximo de
240 dias, prorrogáveis por mais 90, para que o Cade opinasse sobre os
chamados atos de concentração. Caso não fosse respeitado, o negócio
estaria automaticamente aprovado. Esse dispositivo, porém, foi vetado
pela presidente Dilma Roussef.
Representantes do Cade já disseram que os mesmos prazos vão constar
do novo regulamento interno do órgão, que deve ser votado também nesta
terça-feira (29). Mas não deve haver mecanismo de aprovação automática, o
que, na opinião do advogado Roberto de Marino Oliveira, gera
insegurança jurídica.
“O Cade já mostrou a intenção de cumprir esses prazos mas, na
prática, sem a previsão legal, pode ficar com prazo indefinido para
fazer a análise dos casos. A dinâmica da Economia exige um prazo máximo, até para que as empresas possam se programar”, disse Oliveira.
A ex-secretária de Direito Econômico Mariana Tavares de Araújo,
hoje sócia do escritório de advocacia Levy & Salomão, avalia que os
próximos anos serão de “desafios” por conta da falta de prazo máximo
definido em lei e da própria transição no Cade.
Para ela, o veto aos prazos e à aprovação automática no caso de
descumprimento traz “preocupação” às empresas que vão submeter seus
negócios ao Cade.
Araújo avalia que o órgão também precisa deixar mais clara a sua
interpretação dentro das novas regras para aplicação de multas. Pela
regra atual, empresas condenadas por práticas anticoncorrenciais, como
formação de cartel, são penalizadas com valores que vão de 1% a 30% de
seu Faturamento bruto no ano anterior à abertura da investigação.
Já a nova lei, define que o valor da multa vai variar entre 0,1% e 20% do Faturamento
“no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.” Isso
significa que, se um grupo que controla negócios em vários setores
pratica ato anticoncorrencial em apenas um deles, será punido com base
apenas no mercado atingido.
“O Cade precisa sinalizar melhor como vai interpretar o que é esse
ramo de atividade”, diz Oliveira. Para ela, porém, a nova lei, de
maneira geral, “representa um avanço institucional importante e
consolida o amadurecimento dos órgãos antitruste” no Brasil.
Centralização
Professor de Direito Econômico na Universidade de Brasília (UnB),
Othon de Azevedo Lopes avalia que a nova lei tem entre seus aspectos
positivos o fato de centralizar, em uma única agência, a defesa da
concorrência.
Hoje, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é composto
pelo Cade, pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), que será
incorporada ao “novo Cade”, e pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico (Seae), ligada ao Ministério da Fazenda.
“É uma medida que traz agilidade”, disse ele. Lopes avalia como
correto o veto da presidente Dilma Rousseff ao prazo máximo para análise
dos atos de concentração e à aprovação automática em caso de
descumprimento.
“A administração pública tem seus percalços e seria muito radical
aprovar fusões sem análise prévia. Essas operações envolvem grandes
interesses econômicos”, disse o professor.
Principais pontos da lei 12.529
- Cade - Além de um tribunal, que vai julgar os processos, o Cade vai contar com uma Superintendência-Geral que vai acompanhar atividades de grandes grupos econômicos e instaurar inquéritos quando encontrar indícios de irregularidades, atividade hoje feita pela Secretaria de Direito Econômico (SDE). O Cade também vai contar com um Departamento de Estudos Econômicos.
- Análise de fusões - Empresas terão que comunicar previamente ao Cade sobre a intenção de fazer aquisições e fusões. A regra só se aplica quando pelo menos uma das partes teve Faturamento de R$ 400 milhões ou mais e, outra empresa envolvida, Faturamento de pelo menos R$ 30 milhões. Hoje, o negócio é feito e só depois o conselho é informado.
- Multas - As multas por infração à ordem econômica, como formação de cartel, passam a variar de 0,1% a 20% do Faturamento de um grupo “no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.” A lei atual prevê multa de 1% a 30% do Faturamento da empresa.
- Mandatos - Os conselheiros do Cade passam a ter mandato de quatro anos, sem possibilidade de prorrogação. Atualmente, o mandato é de dois anos e pode ser estendido por mais dois.
(Fonte: G1)
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